As pessoas só conhecem um pedaço de mim.
Um pedaço bom mas que, claro, me resume.
Risada solta, boa intenção e disposição em ajudar.
Tudo isso é aparente no meu rosto e tom de voz.
Mas nada disso divide comigo a catraca do metrô quando volto pra casa.
Porque são em horas como essas que eu me perco procurando alguém.
Alguém para eu resumir o dia e reagir com figurinhas no whatsapp.
Planejar como gastar o vale-refeição.
Discordar sobre as séries da moda.
Eu gosto da parte de mim que o mundo conhece e diz gostar.
É importante eu saber que estou acertando pela presença do carinho.
Gosto e agradeço pela validação de ser quem colabora para um clima bom.
Ser quem se compromete.
Gosto da minha presença ser valorizada.
Só que tenho sentido falta de outras coisas também.
Não porque essas não bastem, mas porque tem uma parte de mim que quase ninguém conhece.
A parte que as minhas fotos sorrindo sem mostrar os dentes não mostram.
Dos bastidores das selfies no espelho no elevador voltando da terapia.
Da escolha da legenda rosa de mesmo tamanho em cada story.
Partes que talvez nem eu conheça direito o que signifiquem.
Sãos partes de mim que o fato de eu ser uma pessoa legal para todo mundo não garantem que eu seja uma pessoa legal para alguém especial.
Pelo menos não como eu gostaria.
É bem fácil encontrar uma companhia.
Eu consigo decidir quando quero acordar no travesseiro de outra pessoa.
Quando quero beber um pouco a mais e lembrar um pouco menos da noite passada.
É bem fácil encontrar uma companhia; o difícil é uma parceria.
Que consiga conviver com meus defeitos e instabilidades de de autoestima.
E que segure minha mão para atravessar a rua e não só para atravessar a noite na cama.
A minha descontração que todo mundo conhece e, certamente, reflete uma aparente segurança e independência, esconde o meu desejo de encontrar um outro coração que possa abraçar o meu quando o dia termina ruim. Quando eu odiar o fracasso de um plano. Quando eu ouvir um não. Quando eu me irritar com cabelo. As pequenas ou grandes coisas. E, inclusive, claro, quando o meu peito viver uma felicidade que meu coração, sozinho, não consegue suportar.
São poucos os que sabem do muito que eu sinto.
Pelo menos eu realizei o meu momento. Eu entendi que estou emocionalmente disponível para tentar; tentar, sei lá, experimentar alguma coisa com alguém que dure mais do que algumas horas de um corpo sobre o meu. Experimentar alguma coisa com alguém sem data para acabar e que eu consiga mostrar as fotos que escolhi para colocar na parede do meu quarto e a vista da minha janela.
Eu penso que isso não é muito.
Mas é que tudo o que a gente não tem parece tão longe.
Enquanto eu não apareço na vida de alguém como tanta gente apareceu na minha mas não quis ficar, eu reconheço todas as outras conquistas da minha vida: saúde, emprego e um teto para voltar chorando ou sorrindo. Conquistas para me lembrar de ver a vida de um jeito mais generoso e, principalmente, me lembrar que eu não posso resumir um momento bom a ter alguém. Se nem eu me resumo, porque alguém me resumiria, né?
É que ter alguém, geralmente, facilita com que qualquer momento se transforme em algo bom.
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por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
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