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eu tive a intenção

Boa parte das vezes é sem.
Mas outra boa parte é repleta.
De intenção.
Quando contei que gostei, o plano era evitar suas dúvidas.
Quando perguntei se a gente poderia se ver de novo.
A minha intenção era dizer que estava cedo para acabar.
Te perguntar se quer algo do supermercado.
Para saber se algo de lá vai te fazer bem.
Como que foi no trabalho?
Me conta para você ver que não foi coisa da sua cabeça sentir o que sentiu.
Te mandar um vídeo no TikTok de uma paisagem na europa.
Vai que você anima.
Vídeo de bicho para você dar risada alta no quarto.
Colocar uma música que te empolga.
Só para garantir um momento bom no começo do dia.
Lugar novo para comer ou comer no lugar de sempre.
Descobrir ou confortar. Coisas que o coração gosta.
Quando menciono o tempo juntos é pra gente lembrar do que já passamos.
E de como passou tão pouco perto de tanto por passar.
Cliquei duas vezes numa foto sua e apareceu um coração na tela.
Se você for do tipo que não desativa notificação, vai aparecer um aviso de que eu gostei.
Um beijo para começar e terminar o dia pra eu saber que há e houve você.
Deslizei o teclado de emojis algumas páginas até encontrar o que eu queria.
Pra você saber que procurei um pra escolher.
Boa parte é com intenção; exclusivamente as boas.
Antes de dormir, pego o carregador do celular sem você pedir.
Pra você não acordar brava por esquecer.
Desvirar o chinelo.
Tem um montão de coisa que a gente não repara porque a gente espera que nos contem que precisamos reparar.
A gente repara quando fica óbvio que é intencional.
Vestir roupa chique pra prometer que é pra sempre.
A volta do cabeleireiro ou do barbeiro.
“adorei!”
Antes da viagem que acontece uma vez por ano a gente vive um ano.
Talvez a gente só não repare; quanta coisa cabe.
Cada intenção é um tijolinho. Vai virar casa pra chamar de ninho.

por Márcio Rodrigues.
@umtravesseiroparadois


me avisa quando chegar em casa?

Me avisa primeiro pela segurança.
Depois para eu te contar minha opinião sobre nosso dia.
Mesmo que eu tenha te contado pessoalmente antes da gente se despedir.
Coisa boa fica melhor ao repetir.
Me avisa para eu te contar como foi o meu caminho na volta.
Habitualmente desinteressante, mas sempre incrível depois que conheci você.
O semáforo nem demora mais tanto assim.
A rádio, do nada, agora toca sempre as melhores.
Eu ganho no sorteio de posição da porta quando o metrô para.
O delivery chega rápido.
Essas coisas.
Tudo depois de você.
E me avisa para eu saber de você.
Para eu te ler – ou ouvir seus áudios que odeia enviar – sobre seus planos para as próximas horas.
(apesar de eu já saber que você planeja continuar aquela série)
A gente está vivendo aquela fase de achar graça em coisa sem graça.
E talvez essa seja graça.
Ter consciência disso pode proteger o que a gente sente.
Me avisa quando chegar em casa para eu te contar que você não sabe brincar ao me fazer elogios que eu só lia nos livros.
E para eu te contar que não poupo energia para te mostrar que eu não quero que a gente acabe.
Que maluquice a gente.
Até poucos dias ninguém me contava quando chegava em casa.
Até porque não havia ninguém para me contar.
E hoje tem você.
E tem também o seu puxão de orelha quando sou eu quem esquece de avisar.
A gente tá decodificando como gostar de alguém é óbvio.
E concluindo que o óbvio é tudo o que importa.
Se todo dia for óbvio te ouvir que gosta de mim, eu nunca vou reclamar.
Perceber uma pessoa estranha se transformando íntima na nossa vida.
E tudo isso rápido pra quem vê de fora.
Tudo num espaço de tempo que o relógio não consegue medir.
O coração, sim.
O coração é o relógio do sentimento.
Ele vai me avisando ao longo da semana quando a gente vai se ver.
Estou almoçando e PLAU, coração acelera para me avisar.
Me avisa desde a hora que acordo até quando estou a caminho de você.
E, além de me avisar, o coração me lembra, depois da gente se despedir, como foi bom te ver enquanto dou risada para o celular te pedindo para avisar quando chegar em casa.

não aparece ninguém ou eu que procuro você em quem aparece?

Eu notei que venho reclamando para os meus amigos.
“Ninguém presta”, “só conheço gente sem graça”.
Durante um tempo avaliei se não era um elevado padrão de cobrança.
Existe um certo padrão desejável por mim, é bem verdade. O que não sei se é verdade é se sou o padrão para alguém.
Eu acho que tem um pouco disso, sim.
Eu prefiro um determinado perfil. E não me cobro exatamente por isso.
Todo mundo têm perfis prediletos – pelo menos em teoria.
Porque acontece muito de aparecer alguém que quebra com qualquer lógica, né? Teorias falham.

Nessa jornada de conhecer pessoas depois de você, eu fui descobrindo outras versões de mim.
Isso tem a ver com aquele cansativo processo de recomeçar a conhecer alguém.
Saber do que gosta, do que não gosta. Qual o tamanho dos sonhos. O sabor de pastel. A série que não poderia acabar. A música que não sei da playlist. Essas coisas e todas as outras que envolvem o processo de conhecer alguém.
Eu não tinha muito o que fazer a não ser sempre recomeçar.
Quando uma história dava uma esfriada o bastante para não existir mais, eu voltava para o começo ao encontrar uma nova pessoa.
Passou a me incomodar, porém, o quanto eu não avançava.
Aumentava a impressão de que se tratavam de pessoas parecidas demais e que não exatamente me empolgavam o bastante para eu dedicar toda a minha energia.
Mas o problema nunca esteve nessas pessoas.
O problema está em mim.

Eu fui notando que não gostava da risada porque a sua era incomparável.
Eu não gostava do ponto de vista porque o seu era sempre ponderado e profundo.
Percebi que não gostava tanto do beijo porque o seu não dava vontade de parar.
Passei a evitar ideias de assistir a filmes em casa porque no sofá tinha um lugar seu.


No fim das contas eu passei a conhecer pessoas procurando você em alguma parte delas. É como se eu mapeasse a pessoa em busca de pistas suas. Queria ouvir o seu som de risada. Queria o seu jeito de opinar. Queria o seu jeito de tocar o meu rosto ao fim do beijo. Queria você buscando pipocas caídas no sofá com o filme pausado.

Eu não tenho sido uma boa pessoa para ser uma pessoa boa para alguém.
Ninguém que eu conheci tem culpa de como estou sendo.
Acho que tem a ver com a minha pressa em organizar um lugar na minha vida para você e não precisar encontrar mais. Pressa em te superar.

Senti tanta pressa de virar a página que escrevemos que passei a rasgar todas as próximas.

Apareceu tanta gente legal, mas como não encontrei você nelas, eu desanimei.

Reconhecer isso pode ser o primeiro passo para eu mudar.
E também te mudar de lugar na minha vida; deslocando do presente para o passado para encontrar um espaço só meu para o futuro.

por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com

a primeira pessoa para quem eu conto tudo

Muito trânsito no caminho do trabalho.
Um emoji quando não posso falar muito.
Foto do almoço para provar que estou tentando comer saudável.
Foto do sol que estava bonito quando a tarde estava acabando.
Um print de meme.
O post de um show do artista que você me disse gostar.
Foto da TV explicando minha dúvida sobre qual filme assistir.
O constrangimento no elevador com o chefe.
O estado do dedo depois de chutar a quina da mesa.
Print do grupo da minha família.
Comprovante dos ingressos do filme que vamos ver no cinema.
Foto do absurdo que está o preço do azeite.
Um vídeo do TikTok de 2minutos sobre aquele livro que você falou.
Quando me sondaram para uma vaga de emprego.
Quando consegui um emprego novo.
E quando não me escolheram.
Foto para provar que estou fazendo exercício físico.

Você é a primeira pessoa para quem eu conto tudo.
E eu fui notando isso sem calcular.
De início parecia um jeito de puxar de conversa, depois passou a ser uma necessidade.
Tem vezes que a necessidade é só te fazer dar alguma risada.
Em outras é te avisar de algo que talvez não tenha visto.
Em muitas é desabafar.
Em todas eu me sinto bem.
Em todas me sinto amparado e eu não lembrava como é bom me sentir assim.
Gosto de te convidar para os micros momentos da vida.
E isso não significa que você precisa ser do mesmo jeito que eu; isso é sobre mim.

Quando eu percebi que você passou a ser primeira pessoa para quem eu conto tudo, eu entendi como tudo passou a me empolgar.
E aí não foi “do nada”.
Foi porque existe você. E é gostoso falar de tudo com você.
Você reage aos meus assuntos.
Pergunta sobre o meu sentimento.
Se disponibiliza para me ouvir ou para qualquer tipo de ajuda.
Me encoraja a tomar decisões que eu hesito.
Não passa pano quando a sua opinião é que eu errei.
Sente raiva junto comigo.
Fica feliz por mim.

A primeira pessoa para que eu conto tudo, também é a pessoa cuja eu mais posso contar para tudo.

por Márcio Rodrigues
umtravesseiroaradois@gmail.com

talvez não seja sobre te esquecer

Eu posso deixar te seguir nas redes sociais.
Deletar nossa conversa no WhatsApp.
Apagar suas fotos.
Parar de ouvir músicas que me lembram você.
Evitar tudo mais que eu sei que você gosta.
Mas talvez não seja sobre te esquecer.

Eu fui me descobrindo enquanto fui conhecendo você.

Descobri que eu consigo surpreender a mim mesmo; que eu posso demonstrar que gosto de alguém de maneiras um tanto quanto imprevisíveis até pra mim. Eu gosto de gostar de alguém e não meço meu esforço para que a pessoa saiba disso. Tem gente que prefere não aparentar tanto.

Eu entendi um pouco melhor o que significam limites também.
Limite é quando o motivo amarela o nosso sorriso.
Demorei para perceber que as minhas respostas de ‘tudo bem e com você?’ nem sempre estavam bem assim.
Tem a ver com um jeito de falar meio atravessado.
Uma impaciência para ouvir.
Desinteresse em perguntar.
Alguma displicência com combinados.
Eram coisas pontuais. (eram?)
Daí passou a ser rotina tanta coisa pontual.
Principalmente porque as coisas oficialmente boas se tornaram escassas demais para equilibrar.

Entendi uma outra coisa muito importante também: o apetite por planos deve ser compartilhado.

Eu te contava coisas que eu gostava ou queria fazer; viagens, músicas, passeios ou até filmes que eu gostaria de assistir, mas você nunca me devolveu animação convincente. Foram poucas as vezes que eu não te acompanhei em algo que era desejo mais seu do que meu. Eu percebi que talvez você quisesse ter uma relação centralizada nas suas preferências e não na de duas pessoas.

Mesmo assim, talvez não seja sobre te esquecer mesmo.
Primeiro porque acho que não tem um botão pra isso.
O tempo vai te acomodar na minha vida num lugar que vai ficar difícil de acessar aos poucos. Quando eu menos perceber, você já não vai ser uma das primeiras coisas que vou pensar.
E, segundo, porque ter consciência de que você existiu na minha vida é um jeito de me fazer pensar em tudo o que descobri sobre mim ao te conhecer.

Eu que pensava que me conhecia, descobri que sei tão pouco sobre mim. (será que um dia a gente descobre tudo sobre a gente?)
E talvez seja essa a graça de ter uma relação com alguém, né?
Um clichê dos grandes.
Conhecer alguém e, ao mesmo tempo, conhecer mais de nós mesmos, novas versões de nós mesmos, avaliar como a gente muda de ideia, de certeza, de preferência e de visão micro ou macro sobre as coisas. Bobagem demais acreditar que nunca dá tempo para mudar.

Eu posso deixar de ter seguir nas redes sociais.
Eu vou encontrar maneiras de não ficar pensando em você, mas isso não significa que preciso te esquecer.

Eu só preciso lembrar mais de tudo o que descobri sobre mim depois de te conhecer.

///

Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com

você vai embora quando eu começar a gostar de você?

Essa não é uma pergunta para eu te fazer.
É uma pergunta que eu me faço sempre que a gente se vê.
Quanto melhor a nossa história fica, mais medo eu sinto.
Eu me saboto. É uma droga.
A culpa disso é de boa parte das pessoas que conheci antes de você.
O roteiro era parecido: a gente se conhecia, começava a conviver e depois elas decidiam interromper. E os motivos são os mais diversos – mas isso é outra história.
Acontece que agora eu meio que me freio aproveitar tudo o que eu sinto.
Ao invés de um começo de relação, eu passei a sentir uma contagem regressiva para quando acabar.
Meu entendimento do que é uma história boa foi contaminado por todas as ruins que já tive.
E isso acontece agora com a gente, ou melhor, comigo.
A gente vai entrando na vida um do outro, criando intimidade e chegando perto de fazer planos quando, de uma hora para a outra, a mesma pessoa que fazia parte da minha rotina passa a fazer parte só do meu passado.
É bem cansativo viver esse ciclo.
E eu acabo colocando em mim toda e qualquer responsabilidade, ainda que não seja minha.
E pior: como eu disse, eu acabo me travando.
Começar pensando no fim me dá muita ansiedade.
Isso faz com que eu meça minhas reações diante das coisas legais que você faz pra mim.
E aí eu demoro para responder um pouco.
E falo que não posso no fim de semana.
E abro a minha conversa com você querendo enviar coisas que eu só digito e apago.
Uma bosta. Você vai embora quando eu começar a gostar de você?
Quando eu te convidar para conhecer espaços da minha vida que ninguém conheceu?
Quando eu sentir que você quer passear de mãos dadas comigo?
Quando eu passar a ouvir a rotina do seu trabalho?
Quando minha mãe perguntar sobre você?
Quando a gente combinar quais séries um pode assistir sem o outro?
Você vai embora?
Eu penso tanto e em tudo.
E tudo isso são coisas que eu não preciso te contar porque eu vou te colocar numa posição de me dar garantias e tem erro demais nisso. Primeiro, te constranger, segundo, responsabilizar e terceiro, mas não menos importante, eu confiar.
Acho que é menos sobre você dizer que vai ficar e eu me envolver nesse aceno.
E mais sobre eu aproveitar enquanto você está aqui.
Sem contar que pode ser que quem não queira ficar sou eu.
Imagina?
Eu não.

por Márcio Rodrigues.
@umtravesseiroparadois

alguém para ver quando o dia acaba

As pessoas só conhecem um pedaço de mim.
Um pedaço bom mas que, claro, me resume.
Risada solta, boa intenção e disposição em ajudar.
Tudo isso é aparente no meu rosto e tom de voz.
Mas nada disso divide comigo a catraca do metrô quando volto pra casa.

Porque são em horas como essas que eu me perco procurando alguém.
Alguém para eu resumir o dia e reagir com figurinhas no whatsapp.
Planejar como gastar o vale-refeição.
Discordar sobre as séries da moda.

Eu gosto da parte de mim que o mundo conhece e diz gostar.
É importante eu saber que estou acertando pela presença do carinho.
Gosto e agradeço pela validação de ser quem colabora para um clima bom.
Ser quem se compromete.
Gosto da minha presença ser valorizada.
Só que tenho sentido falta de outras coisas também.
Não porque essas não bastem, mas porque tem uma parte de mim que quase ninguém conhece.

A parte que as minhas fotos sorrindo sem mostrar os dentes não mostram.
Dos bastidores das selfies no espelho no elevador voltando da terapia.
Da escolha da legenda rosa de mesmo tamanho em cada story.
Partes que talvez nem eu conheça direito o que signifiquem.
Sãos partes de mim que o fato de eu ser uma pessoa legal para todo mundo não garantem que eu seja uma pessoa legal para alguém especial.
Pelo menos não como eu gostaria.

É bem fácil encontrar uma companhia.
Eu consigo decidir quando quero acordar no travesseiro de outra pessoa.
Quando quero beber um pouco a mais e lembrar um pouco menos da noite passada.
É bem fácil encontrar uma companhia; o difícil é uma parceria.
Que consiga conviver com meus defeitos e instabilidades de de autoestima.
E que segure minha mão para atravessar a rua e não só para atravessar a noite na cama.

A minha descontração que todo mundo conhece e, certamente, reflete uma aparente segurança e independência, esconde o meu desejo de encontrar um outro coração que possa abraçar o meu quando o dia termina ruim. Quando eu odiar o fracasso de um plano. Quando eu ouvir um não. Quando eu me irritar com cabelo. As pequenas ou grandes coisas. E, inclusive, claro, quando o meu peito viver uma felicidade que meu coração, sozinho, não consegue suportar.

São poucos os que sabem do muito que eu sinto.
Pelo menos eu realizei o meu momento. Eu entendi que estou emocionalmente disponível para tentar; tentar, sei lá, experimentar alguma coisa com alguém que dure mais do que algumas horas de um corpo sobre o meu. Experimentar alguma coisa com alguém sem data para acabar e que eu consiga mostrar as fotos que escolhi para colocar na parede do meu quarto e a vista da minha janela.
Eu penso que isso não é muito.
Mas é que tudo o que a gente não tem parece tão longe.

Enquanto eu não apareço na vida de alguém como tanta gente apareceu na minha mas não quis ficar, eu reconheço todas as outras conquistas da minha vida: saúde, emprego e um teto para voltar chorando ou sorrindo. Conquistas para me lembrar de ver a vida de um jeito mais generoso e, principalmente, me lembrar que eu não posso resumir um momento bom a ter alguém. Se nem eu me resumo, porque alguém me resumiria, né?

É que ter alguém, geralmente, facilita com que qualquer momento se transforme em algo bom.

///
por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com




nunca vai estar bom

É desejar.
Conquistar.
E achar que ainda que têm pouco.

Buscar um emprego.
Ter um emprego.
E enjoar.
Muita pressa para ganhar mais.
Ganhar sempre mais.
E ganhar rápido.
Muita coisa para viver e, se não for nas próximas 24 horas, eu vou morrer.

Comprei a roupa que eu queria.
Mas bem que poderia ter uma branca dessa.

Consegui marcar viagem nas férias.
Mas serão tão poucos dias.

A comida estava muito gostosa.
Mas precisava ser tão cara?

Você é realmente uma pessoa incrível.
Mas por que mora tão longe?

Eu te amo.
Mas não falar de você no Instagram significa que não te amo tanto assim.

Eu gostei da série.
Mas um episódio por semana é chato demais.

Finalmente uma chuvinha.
Mas logo hoje que lavei o carro.

Pedi dois pães mais torradinhos.
Um veio mais clarinho. A pessoa não me ouviu.

Absolutamente tudo é gatilho para todos os dias serem concluídos como ruins.
É certa a convicção de que existe um complô do universo contra a nossa existência.
Mais de trezentos dias todos os anos mas quase todos são péssimos.
TUDO errado.
NADA dá certo. NUNCA dá certo.
E, nesse meio tempo, é todo o tempo escorrendo pelos dedos.
Tempo este que é a maior riqueza do mundo.

E que ao invés de aproveitar, a gente desperdiça. Todo dia.

Isso aqui não tem nada a ver com ver com negligenciar as pequenas raivas da rotina.
Só tem a ver com a avaliação sobre o peso que a gente dá pra elas.

Pensando nas próximas horas do trabalho, a gente toma banho sem reparar se passamos o sabonete.
Concentrados em tudo o que é falado no almoço, a comida não tem sabor.
Ouvir só para poder responder, nunca para entender.

Depois a gente não entende o tempo passando rápido.
A gente gasta e não aproveita nada.

Sempre vai existir pelo menos um motivo para um dia não ser jogado no lixo.
E, se o mundo não nos der esse motivo, a gente pode buscá-lo.
Um delivery diferente.
Falar com alguém que gosta da gente.
Uma risada via meme.
Um filme novo.
Sempre vai haver um motivo.
Nem que seja beber bastante água.

Talvez a gente esteja focando nas coisas erradas.

///

por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com


eu ganho quando ouço você

É imenso o papel que alguém pode ter na nossa vida.
Passa por tudo o que envolve os olhos e o corpo, mas aqui eu quero falar das outras coisas.

As coisas que mobilizam, por exemplo, o nosso jeito de pensar.
Que invertem lógicas fieis.
Certezas cegas.
É impressionante o quanto uma pessoa pode influenciar a vida de outra.
Há muita influência para o mal – é bem verdade – mas eu queria focar na influência para o bem.

Eu quero falar sobre ouvir.
Um gesto minúsculo de impacto gigante.
Eu acho que a gente, como sociedade, ouve muito pouco.
É possível dizer que isso tem a ver com a pressa com que lidamos com a vida.
Tem a ver também com os estímulos aos quais somos submetidos.
Viciados na vida cheia de áudios ouvidos em 2x, a concentração que já era pouca se tornou rara.
É por isso que, muitas vezes, ao ouvirmos uma pessoa falar com a gente, ficamos mais focados nas respostas que daremos do que nas perguntas que nos são feitas.
E o resultado é que falamos tudo, menos a resposta para a pergunta.

Eu notei o quanto eu ganho quando ouço você.
Eu sempre te ouço, mas não estou falando do ouvir da rotina, da premissa de diálogo, estou falando sobre a sua opinião.
Eu ganho quando ouço uma opinião sua.
Isso não significa que eu concordo com todas, mas o quanto eu preciso delas.
Te ouvir para saber o que você faria no meu lugar.
Te ouvir para saber se, na sua opinião, eu errei.
Ou acertei.
Te ouvir não por inércia mas por intenção.

Há uma sensibilidade importante nessa troca.
Você tem uma habilidade de notar quando eu preciso ouvir uma opinião – ainda que eu não a peça.
Você consegue identificar que a minha postura demonstra incerteza; que estou negociando, comigo mesmo, termos equivocados para os mais diversos fins entre ir ou não ir, responder ou não, fazer ou ignorar; você consegue identificar que pode contribuir com uma opinião que eu, talvez, não tenha considerado.
É por isso que é especial.
Porque não é apenas sobre te ouvir quando eu perguntar.
É sobre você perceber que preciso do bem que a sua opinião pode trazer – ainda que eu, eventualmente, desejasse outra.
É nesse fragmento de relação que eu me refiro.
No segundo que seu coração faz as contas de que é a hora perfeita para emitir uma visão que, como eu disse, eu até posso discordar, mas não me fará mal ao só ouvir – e se fizer, a culpa não é da sua opinião porque eu conheço a sua intenção.

Eu ganho quando ouço você.
Quando você pontua, com delicadeza, que faria diferente; com o cuidado de dizer que escolher o contrário não é um erro meu.

Quando você constrói a sua opinião com base no sentimento que posso ter depois dela.
É uma opinião sobre a cor da camiseta que escolhi.
Sobre uma atitude que eu posso tomar no trabalho.
Uma opinião sobre a importância de retribuir a atenção que outras pessoas me dão.
Toda opinião é uma flecha que a gente sabe onde vai acertar.

Eu tenho a sorte de poder ouvir você.
De contar com a sua opinião.
Quando eu peço.
Quando eu dou um sinal de precisar.
Eu ganho quando ouço você.

///
por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois

quando você aparecer

Nada muito inovador:

Dizer o que sinto te marcando em memes.
Te mandar links de objetos brincando como seria na nossa casa.
Mesmo sem a gente morar juntos.
Perguntar do seu dia.
Coisas assim.
Como eu disse, nada muito inovador.
Mas tudo com muita vontade de fazer.
Quando você aparecer.
Principalmente depois de quem conheci antes de você.

Não tem nada de inovador, mas tem tudo de essencial.
Essa foi uma das coisas que aprendi nesses últimos tempos.
Porque a impressão é de que às vezes a gente busca por momentos UAU e perdemos o sabor dos momentos QUE BOM.
Eu sinto saudade de viver bem; ainda que o básico.
Se a gente garantir respeito, pra mim, já é um lindo começo.
Algum interesse pela minha vida; um plano de um fim de semana juntos; um filme domingo.
Nada muito inovador, mas tudo com muito valor e capaz de ser base pra viver bem.

Também vive em mim uma ansidade nova: descobrir com você como é a minha atual versão.
Explico.
Meu coração hoje é tipo um caderno escolar daqueles que a gente anota as coisas mais importantes para estudar até o dia da prova.
E o dia da prova é quando você aparecer.
Porque vai ser quando vou descobrir se aprendi ou se preciso voltar para o começo.

Eu esperei demais de quem sequer me considerava.
Investi o dobro da minha energia e não tive 1% de retorno.
Me preocupava, me interessava, priorizava e, ainda assim, eu sempre fui um tanto faz.
Por isso existe a minha curiosidade de entender como eu agiria com alguém hoje.
Estou com uma vontade de me desconhecer, sabe?

E há também a vontade de confirmar se era coisa da minha cabeça como diziam.
Quero confirmar se dedicar atenção a alguém ao perguntar sobre o dia é realmente horrível como pareceu para algumas pessoas que convivi.
Quero confirmar se sugerir um plano depois de um tempo juntos é realmente assustador.
Confirmar se mandar mensagens carinhosas ao longo do dia realmente tem o poder de atrapalhar.

Eu perdi a referência do que é ser uma boa pessoa para alguém.
Por isso vai ser bom quando você aparecer.
Porque você vai me conhecer no meu momento mais em paz entre o equilíbrio do que nunca mais quero viver e do que quero viver para sempre.
Isso tem a ver com aprender a me tratar melhor.
Isso tem a ver com o grau de intenção que colocamos na vida.
De viver coisas boas.
E de promover momentos bons.
Quando você aparecer.

por Márcio Rodrigues
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois

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