Há anos que refrões e textos famosos ecoam: “Só me arrependo do que não fiz”. Essa mensagem é uma ideia verdadeira que leva alívio emocional a nossa vida recheada de decisões e iniciativas que nunca sabemos serem as melhores.
Está tudo certo com a frase, mas é que, na prática, eu me arrependo sim.
De várias coisas. Pessoas então, vish. Quem nunca?
Olhar para os arrependimentos com tranquilidade é um gesto de carinho comigo. É muito perigosa a ideia de se prender a frases de efeito que nem sempre causas algum efeito.
O arrependimento está tradicionalmente associado a uma ideia de culpa. Eu concordo. Mas vejamos por outro lado, é também refletindo sobre o que nos arrependemos que podemos mudar quando a próxima vez chegar. É tolice não acreditar que outras vezes mais nos arrependeremos na vida.
A verdade é que me arrependo de muitas coisas em vários momentos da minha vida e, se possível fosse, com a cabeça que tenho hoje, tanto eu quanto você, faríamos tudo diferente. Ainda bem, né? Sinal que a gente passou de fase. Essa reflexão é valiosa.
Queria, por exemplo, ter dito outras coisas no lugar das que eu disse.
No fundo, eu já estava gostando de você. Pouco a pouco eu me convencia de que valeria fazer da nossa história algo mais especial, mas preferi te abreviar da minha vida e continuar me aventurando em outras bocas movido por um instinto de “preciso viver isso”, “não posso perder a chance de sair com essa pessoa porque isso pode nunca mais acontecer”.
Queria ter me desculpado.
Me afundei num orgulho mirim só para vencer a olimpíada de quem estava mais certo. Nunca percebi que, de nós, só eu levava a vida como competição.
Queria ter sido alguém diferente também.
Não me toquei, mas no fim das contas já cheguei a atuar exatamente da mesma maneira pela qual eu repudiava outras pessoas, isto é, na maré de “pessoas lixo” que, por diversos motivos, cruzam a nossa vida, acabei sendo mais uma entre elas. Eu estraguei os dias de alguém e tenho plena consciência disso. Criei os mesmos jogos em que eu reclamava ser inserido. Ignorei as mesmas mensagens que já mandei – e foram tantas. Na época tudo fazia sentido, mas a minha ingenuidade reside exatamente no fato de acreditar que tudo faz sentido. Nunca que tudo fará sentido. A noção de “fazer sentido” é pessoal. Para mim pode fazer, para você não. Me arrependo.
Guardei tanta saudade que apodreceu.
Queria ter dito cada palavra do que sentia, mas o que eu faria com o receio de parecer infantil, desesperado, grude ou outra e qualquer coisa do tipo?
Grude. Este é um ponto importante.
Como eu gostaria de ter sido mais eu.
Depois de alguns capotes na vida, a gente acaba se adaptando a dinâmica de como as coisas foram condicionadas a funcionar. É algo como: “acho que se eu demostrar interesse a pessoa vai se assustar comigo”. Assim, renunciei ao meu desejo bom por alguém por um modo de operar a vida que eu discordo completamente.
O que eu queria ter dito:
“Escuta, não sei para você, mas para mim a gente está funcionando de um jeito que tem me feito muito bem. Sei lá o que vai pensar de mim ao falar isso agora, mas não vou guardar algo bom comigo se tem a ver com você. O fato é que gostaria de prolongar por anos tudo isso que a gente tem vivido. Um pouquinho por dia você tem se tornado mais especial. Tirando as palavras bonitas: Você é maravilhosa e precisa ser lembrada disso todos os dias – gostaria que fosse eu a fazer isso”.
O que eu disse:
“Hahaha que legal”
Queria ter permitido que o fim florescesse.
A gente precisava terminar, mas eu não queria acreditar nisso. Daí fui empurrando a gente um dia por vez. Gostava da ideia de ter você – ou de ter alguém? Vai saber. Mas o fim precisava existir, eu que não me dava conta que a gente já não se fazia tão bem assim.
Eu me arrependo.
De várias coisas e pessoas.
E tá tudo bem eu me arrepender das coisas que fiz – o não fazer consciente é fazer também.
Que bom que estou por aqui hoje. Que bom as folhas do calendário viraram.
A importância em refletir sobre o que a gente se arrepende resulta no exercício diário de olhar de forma mais generosa para a imperfeição que somos.
Uma das principais lições da revisão de arrependimento é a certeza de que a gente não vai acertar sempre. A cobrança por minuto que fazemos sobre nós mesmos fica até mais barata vendo por esse lado.
Eu me arrependo de algumas coisas e só por isso que eu posso continuar tentando mudar para melhor.
—
por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com
@marciorodrigues
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