Combinávamos ter dois filhos.
Já os nomes, nós nunca entrávamos num acordo.
Decidimos onde morar e quem seriam os padrinhos do nosso casamento. Em passeios pelo shopping brincávamos de mobiliar nossa casa que nem existia ainda. Entrávamos nas lojas: “Podemos ter um desse?”, “Claro”.

No intervalo de um episódio e outro de um seriado qualquer, nos mimávamos falando no diminutivo; nos olhávamos nos olhos e falávamos dos planos para o futuro e sobre o quanto o presente nos fazia bem. Fazíamos bem um ao outro.

Por essas e por outras era natural que eu já reservasse um lugar grande e especial na minha vida para você ficar. Até porque, na minha cabeça, você fazia o mesmo.  Sempre pensei que os meus planos também eram os seus. A gente costuma a esperar que as pessoas pensem como a gente.

Mas você, como qualquer outra pessoa, mudou.
Deixei de te reconhecer e pouco a pouco vi nossos planos escorrerem pelo esgoto. Parecia que perdíamos a paciência com tudo; não tinha mais mimo, nem seriado, tampouco passeios no shopping. Não sei se nos perdemos ou se nos encontramos longe um do outro.

Um por um, você destruiu cada um dos meus sonhos, os mesmos sonhos que dividi para você viver comigo. E talvez agora eu deveria dizer sobre o quanto isso tudo me fez mal, sobre o quanto eu explodia as veias de raiva e sobre o quanto você me fazia sentir um lixo de pessoa. Mas não; obrigado por acabar com a minha vida. Tendemos a ver o fim como morte, jamais como começo de uma nova vida.

Ao te ter que percebi o que nunca mais previso viver. E percebi que muito depende de mim.
Eu não ocupo uma vaga nesse mundo para viver uma coisa menor que a felicidade. E você nem ninguém tem o direito de roubar o que de mais valioso tenho: meu coração.
Vejo o que vivemos como algo que eu precisava viver para crescer. E é por isso que não me arrependo. É claro que eu não podia adivinhar no que tudo ia dar, mas era justamente isso que me excitava; o clima da incerteza, a conquista diária e a mensagem carinhosa no celular.

Eu tenho certeza que não seria quem sou hoje se não fosse por você ter me matado no passado. Mas afinal: quem sou hoje? Renasci para ser quem eu era antes de você aparecer; sou quem você não vai mais ter a chance de conhecer. Sua importância na minha vida está enterrada em um lugar que eu não preciso visitar. Este não é um discurso de rancor, muito pelo contrário, cada uma dessas palavras tem recheio de amor. Comi o pão que você amassou para enxergar o que eu não quero viver.

Todo dia acordo melhor que ontem.
E veja bem, logo eu que ali no passado que você conviveu, pensava já ter vivido tudo o que eu podia dessa vida; logo eu que pensava já ter esgotado as chances de alegria depois de você ter acabado com algumas delas com a sua partida. Hoje eu acordo sedento por novidade! Não quero nem entrar no ponto de que talvez você se arrependa de tudo, quem me interessa aqui sou eu. Não quero saber da sua vida, mas também não te desejo mal, só não te desejo mais.

Com você eu pensei ter sentido tudo que eu podia das coisas boas da vida. Mas me enganei. E que bom. Conheci outras bocas que também viram graça na minha. Deitei com outros corpos que gostaram do meu. E pouco a pouco estou recuperando cada um dos motivos que me faziam bem, e o melhor, estou conhecendo novos, dos quais talvez eu não conheceria se você estivesse aqui. A vida tem dessas. Tua ida esvaziou um espaço bom para eu ocupar. Depois de tanto lutar para tentar tirar você da minha cabeça, dei a mão para o tempo me ajudar a virar a página. Reencontrei meus sonhos no mesmo lugar onde havia perdido a esperança em realizá-los.

Queria alguma outra frase bonita, mas: obrigado por acabar com a minha vida.
Eu ainda quero ter dois filhos.