Não foi um.
Não foram dois.
Tampouco três.
Foram tantos até aqui.
Um deles deixou cicatriz, outro saudade.
Cada dia com alguém diferente mas sempre com o mesmo eu.
Sentindo cada sabor.
Quando eu me desacostumava com a ideia, lá vinha outra.
Foram tantos desses dias que até viraram coleção.
Daquelas que a gente tira poeira para mostrar para as visitas.
“Teve esse dia aqui ó, apesar de toda a sintonia em todos aqueles meses, ela disse que vivia outra fase”
“Teve esse outro dia que ela simplesmente parou de responder”
“Lembrando aqui, teve esse dia em que eu me senti um lixo mesmo. Esse eu sempre reencontro”
Entre todas as possíveis perspectivas sobre essa minha coleção, a que mais me identifico – apesar de esquecer – é que, apesar de tudo, eu cheguei até aqui.
Esse olhar configura um papo motivacional? É que são fatos.
Cheguei até aqui.
Acho isso louco.
É que a cada novo item que eu colocava na minha prateleira, era mais uma certeza de que ela não ia resistir, e assim, desmoronar.
Só que eu me enganei. Bom demais não estar certo sempre.
Me vi empilhando novos dias ruins. Literalmente em cima um do outro mesmo e a prateleira, apesar de trincado, seguia lá: resistindo.
Só que ao invés de pensar que eu não suportava mais, comecei a perceber que eu era forte pra caralho. Desculpe o termo.
A cada novo dia a minha barra estava mais alta e teria que ser algo mais poderoso para me derrubar. Isso não fazia sentido no começo quando eu olhava um dia isolado, mas quando passei a ver o calendário, pensei: “Teve muito dia ruim mas eu aguentei a cada um deles”.
Eu aguentei. E a cada novo eu sigo aguentando. Será que o mesmo eu de anos atrás aguentaria as últimas coisas que vivi? O que será que meu eu de hoje acharia do peso das primeiras dores que lembro viver?
Passou a ser boa a sensação de olhar mais pelo lado da força que da dor.
Uma vida inteira de dores superadas.
A prova disso é que estou aqui. Um pouco machucado sim, mas o tempo ajuda a curar.
Saber que posso suportar me dá mais vontade de aproveitar os dias bons.
Porra, os dias bons.
A gente vive como se houvesse apenas uma prateleira para preencher.
Um dia comigo, meus livros, minhas músicas e filmes é um baita de um bom dia.
Enquanto empilhava os dias ruins, os bons já ocupavam um armário.
Difícil demais viver nessa gangorra de interpretações da vida, é bem verdade, mas saber que tem uma forma positiva de viver me aquece o peito.
Essa coleção continua aqui.
Sem me esforçar tanto, vou lembrar exatamente da cada momento; me transportar para exatamente o segundo em que escureci por dentro e rezei para ser invisível em cada um dos itens que completam essa coleção.
Eu não preciso ignorar os dias ruins. Tentei tanto. Me apeguei tanto.
Mas posso tentar focar nos dias bons. Outra prateleira para colocar.
Isso é o outro lado da gangorra, sabe? Nela, quando a gente desce a única certeza é que a próxima vez é subir.
Eu cheguei até aqui.
Meu eu de seis meses atrás não imaginaria.
Aguentei.
A gente pode aguentar.
Um, dois, três e tantos outros dias ruins: eu estou aqui. E a cada cair na noite que finda um dia mais forte fico. O problema é de vocês.
Eu posso aguentar.
A gente pode aguentar.
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por Márcio Rodrigues
umtravesseiroparadois@gmail.com
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