(leia ouvindo essa música)
Minha vida tem vários aspectos padrões.
Um deles diz respeito a minha autoestima que, assim como a de muitas pessoas, nunca foi boa.
E continua não sendo, apesar de eu me considerar uma pessoa até cuidadosa.
Quando a autoestima está em colapso, é difícil ver lado bom de qualquer coisa.
E a falta da companhia de alguém, piora ladeira abaixo.
Durante muito tempo eu tive problemas para me relacionar.
Hoje, pensando friamente, a maior parte deles eram criados por mim.
Eu costumava ser o tipo de pessoa que, ao notar alguém interessante olhando pra mim no metrô, por exemplo, pensava estar com pasta de dente escorrendo na camiseta e tratava de assegurar se era isso mesmo.
Nunca era.
Ainda adolescente, lembro de, literalmente, rezar para ter uma namorada.
Eu queria viver aquelas cenas que os filmes e novelas mostravam.
Queria falar “deixa só eu ver com a minha namorada” só pela experiência de falar isso.
Lembro bem como foi o meu primeiro pedido de namoro: contratei uma tele-mensagem – e aqui sou eu sublinhando minha idade. Mas antes de achar cafona, que fique claro: mandar uma tele-mensagem no início dos anos 2000 era muito trend, viu?
Ainda bem que ela aceitou.
Tempos depois daquele primeiro sim, tive alguns outros.
Apesar disso, muitos ‘nãos’ ainda me assombravam: “não sou atraente”, “não sou bonito” e por aí vai. Muito a ver com o modo competitivo e comparativo em que cresci tendo como referencial de sucesso a quantidade de biletes recebidos de pretendentes.
Nunca recebi nenhum.
Inclusive, lembro de episódios como:
– “Então, você fala pra ela que eu gosto dela?” eu pedia.
– “Claro, vou te falar e te aviso” uma amiga me respondia.
– “Então, ela também gosta de você!” ela me retornava.
– “Nossa, sério?” custava a acreditar.
– “Sério, poxa!”
E aí começava uma jornada pessoal: eu imaginava nós dois juntos e nos via em cada um dos refrões bonitos do pagode 90’s que eu ouvia. Foi uma (pré) adolescência e tanto.
Mas o fato é que nunca tive coragem de falar com ela.
Nem com as outras em todas as outras vezes que aconteceu algo parecido.
Me bastava a ideia de alguém se interessar por mim. Eu não sabia qual próximo passo dar.
Hoje, de novo, pensando friamente, é louco pensar como eu pensava desse jeito.
E só fica mais louco porque parte desse pensamento seguiu comigo por anos.
Como nunca me senti uma pessoa atraente, não fazia sentido que alguém se interessaria por mim.
E aí chegou o dia que contei isso pra um dos meus melhores amigos.
Contei como isso me incomodava,
Ele, sempre atencioso e com um tom de voz calmo que mora numa pastinha na minha cabeça, transformou a minha vida inteira com poucas palavras; colocou sentido do dia daquela tele-mensagem, até a última hora atrás escrevendo esse texto.
Expliquei que era difícil eu me conectar com quem eu me interessava porque eu já partia do princípio que, definitivamente, a pessoa nem ia me notar, afinal, existem tantos outros caras estilosos, bonitos e atraentes por aí. Eu sempre fui um cara qualquer piorado pelo fato de estar cheio de inseguranças físicas e psicológicas.
Então, durante o nosso papo naquele almoço em dia de semana, no meio de expediente, você falou algo como:
– “Eu entendo você se sentir inseguro por isso, mas você se acha uma pessoa legal?” questionou.
– “Ah, sim… Acho que sim, tenho facilidade pra falar com as pessoas e trocar umas risadas” pensei um pouco mas respondi.
– “Então, sabe o que eu acho? Você devia inverter essa ordem na sua vida: coloca na frente de você tudo o que você acha que tem de bom, tipo ser uma pessoa muito legal. Aí, você coloca lá no fundo o fato de você não se considerar um cara bonito, atraente ou algo do tipo. Se apegue ao que você gosta em você e tenta esquecer um pouco o que não gosta”.
Lembro como se fosse hoje. Se eu forçar, inclusive, lembro até o que almoçamos. Lembro onde você trabalhava e eu também. Lembro de pegar o táxi pra te encontrar. Lembro de você estar animado por começar naquele trabalho que parecia promissor e era o que você imaginava.
E lembro de te responder:
– “Ah, pra você é fácil falar assim, já que você é 1) um dos caras mais legais do mundo e 2) lindo – ao mesmo tempo”
Rimos muito.
E você negava com aquela sua risada de labrador.
Apesar de eu lembrar de várias coisas desse dia, eu não lembro se te agradeci como devia.
A partir daquele dia, a minha autoestima foi profundamente reconfigurada.
Você fez uma cirúrgia na minha energia vital.
Eu ainda não me sinto atraente, mas eu me sinto muito mais seguro porque aprendi a conviver com a parte que não gosto tanto em mim.
Aprendi que as pessoas vão se aproximar de mim porque eu sou uma pessoa legal de se aproximar. Aprendi que é possível viver histórias com pessoas que veem em mim mais do que o meu espelho me mostra todo dia. Aprendi a ser mais legal comigo que tanto gosto de ser legal com as pessoas.
E aprendi tudo isso graças a você; que nem está mais neste mundo hoje pra me ouvir te agradecer mais.
Eu conto dessa nossa conversa pra muitas pessoas.
Queria te ver ouvindo a reação delas; como faz sentido pra todas.
E queria que elas vissem e ouvissem você dando risada tímido.
Poderia ser só “um toque de amigo” ou algo de tamanho parecido, mas eu sempre falo:
“ele me ajudou mais do que imagina”
E “imagina”, assim no presente, que é como sinto você comigo sempre que me ajuda aí de cima – aliás, viu minha guitarra nova?
Obrigado por ter transformado a minha vida em um almoço.
Estou tentando ser legal com outras pessoas como você sempre foi comigo.
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por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com
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