Author: Márcio Rodrigues (page 2 of 70)

você vai embora quando eu começar a gostar de você?

Essa não é uma pergunta para eu te fazer.
É uma pergunta que eu me faço sempre que a gente se vê.
Quanto melhor a nossa história fica, mais medo eu sinto.
Eu me saboto. É uma droga.
A culpa disso é de boa parte das pessoas que conheci antes de você.
O roteiro era parecido: a gente se conhecia, começava a conviver e depois elas decidiam interromper. E os motivos são os mais diversos – mas isso é outra história.
Acontece que agora eu meio que me freio aproveitar tudo o que eu sinto.
Ao invés de um começo de relação, eu passei a sentir uma contagem regressiva para quando acabar.
Meu entendimento do que é uma história boa foi contaminado por todas as ruins que já tive.
E isso acontece agora com a gente, ou melhor, comigo.
A gente vai entrando na vida um do outro, criando intimidade e chegando perto de fazer planos quando, de uma hora para a outra, a mesma pessoa que fazia parte da minha rotina passa a fazer parte só do meu passado.
É bem cansativo viver esse ciclo.
E eu acabo colocando em mim toda e qualquer responsabilidade, ainda que não seja minha.
E pior: como eu disse, eu acabo me travando.
Começar pensando no fim me dá muita ansiedade.
Isso faz com que eu meça minhas reações diante das coisas legais que você faz pra mim.
E aí eu demoro para responder um pouco.
E falo que não posso no fim de semana.
E abro a minha conversa com você querendo enviar coisas que eu só digito e apago.
Uma bosta. Você vai embora quando eu começar a gostar de você?
Quando eu te convidar para conhecer espaços da minha vida que ninguém conheceu?
Quando eu sentir que você quer passear de mãos dadas comigo?
Quando eu passar a ouvir a rotina do seu trabalho?
Quando minha mãe perguntar sobre você?
Quando a gente combinar quais séries um pode assistir sem o outro?
Você vai embora?
Eu penso tanto e em tudo.
E tudo isso são coisas que eu não preciso te contar porque eu vou te colocar numa posição de me dar garantias e tem erro demais nisso. Primeiro, te constranger, segundo, responsabilizar e terceiro, mas não menos importante, eu confiar.
Acho que é menos sobre você dizer que vai ficar e eu me envolver nesse aceno.
E mais sobre eu aproveitar enquanto você está aqui.
Sem contar que pode ser que quem não queira ficar sou eu.
Imagina?
Eu não.

por Márcio Rodrigues.
@umtravesseiroparadois

alguém para ver quando o dia acaba

As pessoas só conhecem um pedaço de mim.
Um pedaço bom mas que, claro, me resume.
Risada solta, boa intenção e disposição em ajudar.
Tudo isso é aparente no meu rosto e tom de voz.
Mas nada disso divide comigo a catraca do metrô quando volto pra casa.

Porque são em horas como essas que eu me perco procurando alguém.
Alguém para eu resumir o dia e reagir com figurinhas no whatsapp.
Planejar como gastar o vale-refeição.
Discordar sobre as séries da moda.

Eu gosto da parte de mim que o mundo conhece e diz gostar.
É importante eu saber que estou acertando pela presença do carinho.
Gosto e agradeço pela validação de ser quem colabora para um clima bom.
Ser quem se compromete.
Gosto da minha presença ser valorizada.
Só que tenho sentido falta de outras coisas também.
Não porque essas não bastem, mas porque tem uma parte de mim que quase ninguém conhece.

A parte que as minhas fotos sorrindo sem mostrar os dentes não mostram.
Dos bastidores das selfies no espelho no elevador voltando da terapia.
Da escolha da legenda rosa de mesmo tamanho em cada story.
Partes que talvez nem eu conheça direito o que signifiquem.
Sãos partes de mim que o fato de eu ser uma pessoa legal para todo mundo não garantem que eu seja uma pessoa legal para alguém especial.
Pelo menos não como eu gostaria.

É bem fácil encontrar uma companhia.
Eu consigo decidir quando quero acordar no travesseiro de outra pessoa.
Quando quero beber um pouco a mais e lembrar um pouco menos da noite passada.
É bem fácil encontrar uma companhia; o difícil é uma parceria.
Que consiga conviver com meus defeitos e instabilidades de de autoestima.
E que segure minha mão para atravessar a rua e não só para atravessar a noite na cama.

A minha descontração que todo mundo conhece e, certamente, reflete uma aparente segurança e independência, esconde o meu desejo de encontrar um outro coração que possa abraçar o meu quando o dia termina ruim. Quando eu odiar o fracasso de um plano. Quando eu ouvir um não. Quando eu me irritar com cabelo. As pequenas ou grandes coisas. E, inclusive, claro, quando o meu peito viver uma felicidade que meu coração, sozinho, não consegue suportar.

São poucos os que sabem do muito que eu sinto.
Pelo menos eu realizei o meu momento. Eu entendi que estou emocionalmente disponível para tentar; tentar, sei lá, experimentar alguma coisa com alguém que dure mais do que algumas horas de um corpo sobre o meu. Experimentar alguma coisa com alguém sem data para acabar e que eu consiga mostrar as fotos que escolhi para colocar na parede do meu quarto e a vista da minha janela.
Eu penso que isso não é muito.
Mas é que tudo o que a gente não tem parece tão longe.

Enquanto eu não apareço na vida de alguém como tanta gente apareceu na minha mas não quis ficar, eu reconheço todas as outras conquistas da minha vida: saúde, emprego e um teto para voltar chorando ou sorrindo. Conquistas para me lembrar de ver a vida de um jeito mais generoso e, principalmente, me lembrar que eu não posso resumir um momento bom a ter alguém. Se nem eu me resumo, porque alguém me resumiria, né?

É que ter alguém, geralmente, facilita com que qualquer momento se transforme em algo bom.

///
por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com




nunca vai estar bom

É desejar.
Conquistar.
E achar que ainda que têm pouco.

Buscar um emprego.
Ter um emprego.
E enjoar.
Muita pressa para ganhar mais.
Ganhar sempre mais.
E ganhar rápido.
Muita coisa para viver e, se não for nas próximas 24 horas, eu vou morrer.

Comprei a roupa que eu queria.
Mas bem que poderia ter uma branca dessa.

Consegui marcar viagem nas férias.
Mas serão tão poucos dias.

A comida estava muito gostosa.
Mas precisava ser tão cara?

Você é realmente uma pessoa incrível.
Mas por que mora tão longe?

Eu te amo.
Mas não falar de você no Instagram significa que não te amo tanto assim.

Eu gostei da série.
Mas um episódio por semana é chato demais.

Finalmente uma chuvinha.
Mas logo hoje que lavei o carro.

Pedi dois pães mais torradinhos.
Um veio mais clarinho. A pessoa não me ouviu.

Absolutamente tudo é gatilho para todos os dias serem concluídos como ruins.
É certa a convicção de que existe um complô do universo contra a nossa existência.
Mais de trezentos dias todos os anos mas quase todos são péssimos.
TUDO errado.
NADA dá certo. NUNCA dá certo.
E, nesse meio tempo, é todo o tempo escorrendo pelos dedos.
Tempo este que é a maior riqueza do mundo.

E que ao invés de aproveitar, a gente desperdiça. Todo dia.

Isso aqui não tem nada a ver com ver com negligenciar as pequenas raivas da rotina.
Só tem a ver com a avaliação sobre o peso que a gente dá pra elas.

Pensando nas próximas horas do trabalho, a gente toma banho sem reparar se passamos o sabonete.
Concentrados em tudo o que é falado no almoço, a comida não tem sabor.
Ouvir só para poder responder, nunca para entender.

Depois a gente não entende o tempo passando rápido.
A gente gasta e não aproveita nada.

Sempre vai existir pelo menos um motivo para um dia não ser jogado no lixo.
E, se o mundo não nos der esse motivo, a gente pode buscá-lo.
Um delivery diferente.
Falar com alguém que gosta da gente.
Uma risada via meme.
Um filme novo.
Sempre vai haver um motivo.
Nem que seja beber bastante água.

Talvez a gente esteja focando nas coisas erradas.

///

por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com


eu ganho quando ouço você

É imenso o papel que alguém pode ter na nossa vida.
Passa por tudo o que envolve os olhos e o corpo, mas aqui eu quero falar das outras coisas.

As coisas que mobilizam, por exemplo, o nosso jeito de pensar.
Que invertem lógicas fieis.
Certezas cegas.
É impressionante o quanto uma pessoa pode influenciar a vida de outra.
Há muita influência para o mal – é bem verdade – mas eu queria focar na influência para o bem.

Eu quero falar sobre ouvir.
Um gesto minúsculo de impacto gigante.
Eu acho que a gente, como sociedade, ouve muito pouco.
É possível dizer que isso tem a ver com a pressa com que lidamos com a vida.
Tem a ver também com os estímulos aos quais somos submetidos.
Viciados na vida cheia de áudios ouvidos em 2x, a concentração que já era pouca se tornou rara.
É por isso que, muitas vezes, ao ouvirmos uma pessoa falar com a gente, ficamos mais focados nas respostas que daremos do que nas perguntas que nos são feitas.
E o resultado é que falamos tudo, menos a resposta para a pergunta.

Eu notei o quanto eu ganho quando ouço você.
Eu sempre te ouço, mas não estou falando do ouvir da rotina, da premissa de diálogo, estou falando sobre a sua opinião.
Eu ganho quando ouço uma opinião sua.
Isso não significa que eu concordo com todas, mas o quanto eu preciso delas.
Te ouvir para saber o que você faria no meu lugar.
Te ouvir para saber se, na sua opinião, eu errei.
Ou acertei.
Te ouvir não por inércia mas por intenção.

Há uma sensibilidade importante nessa troca.
Você tem uma habilidade de notar quando eu preciso ouvir uma opinião – ainda que eu não a peça.
Você consegue identificar que a minha postura demonstra incerteza; que estou negociando, comigo mesmo, termos equivocados para os mais diversos fins entre ir ou não ir, responder ou não, fazer ou ignorar; você consegue identificar que pode contribuir com uma opinião que eu, talvez, não tenha considerado.
É por isso que é especial.
Porque não é apenas sobre te ouvir quando eu perguntar.
É sobre você perceber que preciso do bem que a sua opinião pode trazer – ainda que eu, eventualmente, desejasse outra.
É nesse fragmento de relação que eu me refiro.
No segundo que seu coração faz as contas de que é a hora perfeita para emitir uma visão que, como eu disse, eu até posso discordar, mas não me fará mal ao só ouvir – e se fizer, a culpa não é da sua opinião porque eu conheço a sua intenção.

Eu ganho quando ouço você.
Quando você pontua, com delicadeza, que faria diferente; com o cuidado de dizer que escolher o contrário não é um erro meu.

Quando você constrói a sua opinião com base no sentimento que posso ter depois dela.
É uma opinião sobre a cor da camiseta que escolhi.
Sobre uma atitude que eu posso tomar no trabalho.
Uma opinião sobre a importância de retribuir a atenção que outras pessoas me dão.
Toda opinião é uma flecha que a gente sabe onde vai acertar.

Eu tenho a sorte de poder ouvir você.
De contar com a sua opinião.
Quando eu peço.
Quando eu dou um sinal de precisar.
Eu ganho quando ouço você.

///
por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois

quando você aparecer

Nada muito inovador:

Dizer o que sinto te marcando em memes.
Te mandar links de objetos brincando como seria na nossa casa.
Mesmo sem a gente morar juntos.
Perguntar do seu dia.
Coisas assim.
Como eu disse, nada muito inovador.
Mas tudo com muita vontade de fazer.
Quando você aparecer.
Principalmente depois de quem conheci antes de você.

Não tem nada de inovador, mas tem tudo de essencial.
Essa foi uma das coisas que aprendi nesses últimos tempos.
Porque a impressão é de que às vezes a gente busca por momentos UAU e perdemos o sabor dos momentos QUE BOM.
Eu sinto saudade de viver bem; ainda que o básico.
Se a gente garantir respeito, pra mim, já é um lindo começo.
Algum interesse pela minha vida; um plano de um fim de semana juntos; um filme domingo.
Nada muito inovador, mas tudo com muito valor e capaz de ser base pra viver bem.

Também vive em mim uma ansidade nova: descobrir com você como é a minha atual versão.
Explico.
Meu coração hoje é tipo um caderno escolar daqueles que a gente anota as coisas mais importantes para estudar até o dia da prova.
E o dia da prova é quando você aparecer.
Porque vai ser quando vou descobrir se aprendi ou se preciso voltar para o começo.

Eu esperei demais de quem sequer me considerava.
Investi o dobro da minha energia e não tive 1% de retorno.
Me preocupava, me interessava, priorizava e, ainda assim, eu sempre fui um tanto faz.
Por isso existe a minha curiosidade de entender como eu agiria com alguém hoje.
Estou com uma vontade de me desconhecer, sabe?

E há também a vontade de confirmar se era coisa da minha cabeça como diziam.
Quero confirmar se dedicar atenção a alguém ao perguntar sobre o dia é realmente horrível como pareceu para algumas pessoas que convivi.
Quero confirmar se sugerir um plano depois de um tempo juntos é realmente assustador.
Confirmar se mandar mensagens carinhosas ao longo do dia realmente tem o poder de atrapalhar.

Eu perdi a referência do que é ser uma boa pessoa para alguém.
Por isso vai ser bom quando você aparecer.
Porque você vai me conhecer no meu momento mais em paz entre o equilíbrio do que nunca mais quero viver e do que quero viver para sempre.
Isso tem a ver com aprender a me tratar melhor.
Isso tem a ver com o grau de intenção que colocamos na vida.
De viver coisas boas.
E de promover momentos bons.
Quando você aparecer.

por Márcio Rodrigues
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois

entendo a sua preguiça de mim

Eu tumultuei a sua vida.
Roubei tempo seu como se eu admitisse que fizessem o mesmo comigo.
E o pior: roubei seu carinho.
Tripudiei das suas intenções como se fossem fúteis:
“a gente precisa mesmo dar um nome? não podemos só aproveitar?”
Era o tipo de resposta evasiva que eu dava.
E assim, você nunca sabia se nosso próximo ‘oi’ seria o último.

Colaborei contundentemente para apodrecer qualquer plano seu comigo.
Eu acreditava estar por cima – alguém precisa estar por cima?
Um sentimento solitário, egoísta e ingênuo que mirava controle; quase uma espécie de vingança pelas coisas que já passei.

Por isso meus sinais pra você eram tão imprecisos.
Você nunca sabia se eu estava começando a gostar mais ou passando a gostar menos.
Eu nunca fiz questão de esclarecer nada ou de sequer tocar no assunto; pelo contrário, quanto mais confuso fosse, melhor – eu pensava. Assim, eu poderia te acionar feito um botão: “hoje sim”, “hoje não”.

Normalizei com você coisas que eu odiei a vida inteira.
Troquei o “bom dia” pelo “desculpe a demora” enviado três dias depois.
Na ordem de prioridade, você só avançava de posição quando eu não tinha mais opção.

Eu entendo a sua preguiça de mim.
E o custo disso é que hoje, depois de nós, eu também tenho alguém para ter preguiça.

Porque hoje sinto por alguém algo parecido com o que viveu comigo.
Também lido com alguém que só de ler o arroba me cansa.
Alguém que evito encontrar; que não busco saber notícias.

Conhecei alguém que tumultou a minha vida.
Roubou meu tempo; meu carinho.
Tripudiou das minhas intenções como se fossem óbvias:
“a gente precisa mesmo dar um nome? não podemos só aproveitar?”
Era o tipo de resposta evasiva que eu recebia numa pergunta natural sobre em que pé estávamos.
E assim, por muito tempo, eu nunca sabia se nosso próximo ‘oi’ seria o último.

Essa pessoa colaborou contundentemente para apodrecer qualquer plano comigo.
E não sei se ela percebeu.
Talvez acreditasse estar por cima.
Alimentando um sentimento solitário, egoísta e ingênuo que mirava controle.

Hoje eu entendo a sua preguiça de mim porque sinto preguiça de alguém também.
Essa é mais história em que só faz sentido quando a gente muda de papel entre os personagens.

Hoje entendo que é menos sobre forçar com que alguém goste da gente da mesma maneira que gostamos, e mais sobre que esse alguém diga o que sente, qual sua intenção e qual a sua visão sobre o que temos. Branco ou preto. Nada de cinza – e de todo o cinza que eu te dei, por exemplo.

Eu só pude entender como fui imbecil com você ao perceber alguém sendo imbecil comigo.

Espero que você esteja tão bem a ponto de mal de lembrar de mim.

É meu plano sobre alguém também.

///

por Márcio Rodrigues
@umtravesseiroparadois
umtravesseiroparadois@gmail.com

combinamos de marcar, mas nunca marcamos

Fim.
É uma história que começa pelo fim.

Porque eu não te conheci.
Não aprendi sobre o seu trabalho.
Não descobri um lugar que você gostaria de conhecer.
Nem músicas que gosta.
Muito menos filmes.
Não faço ideia se prefere massa ou árabe.
Nem se você gosta do seu bairro.
Ou de acordar cedo.
Se tem gatos.
Fã de praia.
Sorvete de fruta ou de flocos.
Nada.

A gente não se conheceu.
A gente se desconheceu.

A gente parou nas fotos que um ou outro posta – as que os algoritmos mostram.
Você ri de um meme que eu compartilho.
Eu pergunto mais sobre as músicas que você posta.
E ficamos nisso.

Você não soube que eu tenho (muito) medo de escuro.
E que passo mal com lactose.
Não te contei que sou bom em fritar ovo.
E que nunca atravessei a fronteira do meu município.
Não deu pra te falar que não amo o meu trabalho.
Mas eu amo filme de suspense.
Não consegui te contar.
Eu amo acordar cedo.
Meu bairro é bom aos sábados.
Tenho alergia a gatos, mas agradeço pela invenção do Allegra D.

Praia é bom demais.
Queria te contar como amo praia.
Eu acho que todo dia é dia de sorvete.
Queria saber se você acha que fruta é sobremesa.

Mas a gente não se conheceu.
A gente se desconheceu.
Não deu para saber o que seria da gente.
Não deu para conhecer o perfume que usa – ou se tem alergia.
A gente não sabe como é a textura do cabelo um do outro.
Ou a cor da unha da semana.
Não descobrimos se algum de nós é canhoto.
Se tem um assento preferido no ônibus – ou jeito de fazer baliza.
Se sopa é janta.
Se preferimos Olimpíadas ou Copa do Mundo – ou nada.
Se leu o livro hype no TikTok.
Se usa TikTok.


Combinamos de marcar, mas nunca marcamos.
E assim não marcamos a vida um do outro.
E nem descobrimos se combinamos.

🙁

Eu ri do seu comentário sobre a foto do meu pé com dedo torto.
E vi seu like no meu emoji escrito TOP na sua selfie no elevador.

Sabe como é, a gente se conhece.

Fim.

eu sinto muito

A impressão é que, ao nascer, ganhei um manual de instruções sobre como eu funcionaria.
O problema é que o sigo até hoje.
E isso me faz ser previsível demais.
E cansativo de aguentar a mim mesmo.

Eu li os textos e assisti aos filmes que alertam sobre os perigos de se apegar, mas eu sigo me apegando quando alguém retribui o meu menor sinal de interesse.

Eu entendo a importância de “deixar as coisas irem devagar”, mas eu sigo gostando de me dedicar mil por cento apesar de ainda estar conhecendo alguém.

Também acho que faz sentido a possibilidade de assustar alguém ao parecer meio grude, mas eu sigo gostando de deixar claro que a pessoa que começa uma história comigo, se depender de mim, tem tudo pra ser a última.

E tudo isso tem uma explicação: eu sinto muito.

Sinto tanta coisa e com tanta força e eu sou o primeiro a me incomodar.
É chato a ponto de me irritar quando percebo que a minha barriga começa a esfriar ao receber uma mensagem de alguém que estou apenas conhecendo. Eu não calculo a velocidade com a qual gosto de alguém, eu sou atropelado por ela.

Me vejo ridículo rindo feito bobo ao contar de alguém que estou saindo para algum amigo. É que eu gosto de falar que estou gostando.

Se eu pensar bem, também é desnecessária a minha obsessão com as músicas que uma pessoa que estou interessando me indica para ouvir; na minha cabeça, é um jeito de conhecer um pouco mais do mundo daquela pessoa.

Talvez esse seja o ponto: eu não penso bem.

E não penso bem porque eu sinto muito.
Sinto mais do que penso e quando sinto que é preciso pensar bem eu desisto; eu não consigo.

Fracasso em todas as tentativas de me inspirar em pessoas menos intensas; aquelas pessoas que conseguem ser frias o bastante para decodificar o exato sentimento e o tempo certo de dar nomes para as coisas. Eu fracasso porque, pra mim, quando sinto que alguém está entrando na minha rotina e me fazendo bem, eu já gosto de imaginar que o próximo fim de semana vai ter a presença dessa pessoa.

É bem verdade que, como eu disse, sentir tanto assim me deixa exausto.
Exausto de recomeços, de conhecer e ser conhecido por alguém; exausto de ciclos. Eu falo muito sério quando digo que gostaria de levar um pouco de calma para o meu coração, mas eu não consigo controlar.

Alguém consegue?
Ou muita gente só finge?
Ou é só tentativa de parecer uma pessoa durona e que se envolve devagar?
Porque é cool parecer sério, né?
Contar na terapia que aprendeu “o tempo certo das coisas”?

Acho que esse é outro ponto: não consigo mentir, muito menos disfarçar – na verdade, nem é meu interesse.
Quem está comigo vai saber exatamente como estou me sentindo, o que estou sentindo e o quanto sinto pelo que temos. Quem está comigo não vai ter dúvidas de que estou gostando porque, ao invés de pistas, eu dou provas. Você vai saber o bem que me faz. Você vai saber que estou com saudade. Você vai saber que me inspira. Você vai saber que eu te admiro e te respeito. Você vai saber que me ensina. Você vai saber que eu gostaria de ter nos meus planos – vai saber que faço planos. Vai saber que fiquei triste por errar.

E tudo isso porque eu sinto. Muito.
E, sentindo tanto, talvez seja essa a conclusão: o mesmo eu que me cansa, me empolga. Chega uma hora na vida que não dá mais para tentar mudar assim drasticamente. Aquele manual que me deram virou tatuagem e, na rotina de sentir tanto assim, o desafio é aprender a conviver bem comigo antes de alguém conviver com a minha companhia.

Eu sinto muito mas não é pra menos: eu sou feito do que eu sinto.

///
por Márcio Rodrigues
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois


hoje você não me reconheceria

Eu estou bem.
Parece que consegui me equilibrar na corda bamba da vida.
A mesma corda que você balançava propositalmente para me desestabilizar.
Eu me senti tão mal. Puts. Muito.
E eu nem percebia que me sentia mal; eu não entendia.
Eu só continuava. Esperava uma mensagem sua; me acostumava com um não seu.
Tudo era uma grande miragem em que eu avistava você gotejar esperanças que evaporavam antes que pudessem tocar minha pele.
E nas poucas vezes que uma esperança tocava, era sempre em forma de beijo com sabor de adeus.
Porque eu nunca sabia quando a gente ia acontecer novamente.

Houve vezes em que pensei que a gente estava funcionando.
Coisas que você me disse me comoveram como poucas.
Coisa que eu te disse nunca ninguém tinha ouvido antes.
Eu destranquei uma porta no meu coração só para você entrar enquanto te explicava como demorei para arrumar a bagunça, mas você arrombou a fechadura.

Me rejeitou disfarçando se importar.
“Saudade da gente”, “Queria te ver”.
Queria coisa nenhuma.
Injetou ansiedade em demonstrações de carinho que eu tinha sede para receber. No seu colo no sofá, enquanto circulava o dedo no meu rosto deitado em uma almofada sobre as suas pernas, eu pensava se isso significava um convite para conhecer o seu mundo. Mas era um trailer de você destruindo o meu; porque no mesmo sofá eu chorei muita raiva sua.

Eu não sabia que era um jogo; que o sorriso que aparecia no seu rosto depois do nosso ‘boa noite’ era fruto da satisfação de uma estratégia de ilusão. Eu não tinha como saber de nada e só me cabia imaginar. Não sabia que antes e depois da nossa conversa no WhatsApp, haviam outras para você priorizar na mesma medida e, provavelmente, copiar a colar as mesmas coisas que me dizia.

Eu fiquei tão mal.
E quando a gente fica muito mal, a gente só quer uma garantia de que vai ficar tudo bem – mas não há garantias na vida. Quando a gente chega no fundo poço, parece que ele vira um túnel. Quando a gente acha que não vai passar, passa tanta coisa pela esmagando a nossa cabeça.

Mas hoje, contrariando a minha própria expectativa, eu estou bem.
Esses detalhes que contei estão guardados na minha cabeça porque entendi que não posso romper com o meu passado; o tempo é um HD daqueles que a gente esquece onde guardou – mas que, se procurar bem, encontra. Foi importante dissecar cada sensação ruim que você me causou e aí é só não vigiar a ferida fechar.

Hoje você não me reconheceria porque nem eu mesmo me reconheço.
E isso é estranhamente bom.
Acho que consegui elevar um pouco a régua do que é bom para mim.
Porque na nossa época, ou melhor, na época que te conheci, eu me tratei mal demais. Você então, nem se fala.
Muitas coisas mudaram em mim, mas um delas é que fiz um combinado comigo: quanto mais eu conseguir me priorizar, menos a dor vai doer. Esse combinado envolve um limite que eu mesmo dei para a minha vida ao conhecer a de outra pessoa. Limites importam porque protegem.

Eu não posso garantir que vou conseguir ser sempre assim, mas ter um plano é atalho para felicidade.

Hoje você não me reconheceria também por outro motivo: eu não quero.

///
por Márcio Rodrigues
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois







você é a saudade de alguém

O cheiro que sai da panela.
Perfume que não sai da roupa.
Refrão que sabe decór — e a contra gosto.
Risada que contagia.
Calor quando faz frio.
Frio do pé no edredom.

Fazer questão ao invés de fazer de conta.
Um chocolate na volta do supermercado.
Sonhos individuais e planos juntos.

A temporada que estreou.
O show que foi anunciado.
A viagem que te contaram.
A cor preferida.

Voz falha ao acordar.
O barulho da rotina do outro lado da janela.
Lugar pra ir aos sábados.
Abraço para ficar aos domingos.

Eu te contei o que fiquei sabendo?
Que horas a gente marca?
A gente combinou algo neste fim de semana?
Viu o que aquela pessoa postou?

Você é saudade na vida de alguém mas talvez ninguém admita.
Tem um espacinho na vida de alguém que daria para colocar o seu nome e sobrenome pra chamar de seu – mesmo que outra nome esteja alugando agora.

Você visita a vida de alguém a partir do menor gatilho.
O sabor de um doce.
O pedaço do papel.
Uma letra parecida com a sua.

Mas para todas essas lembranças se tornarem saudade você precisa ter feito a sua parte ao inv´´és de partir alguém.
A gente se acostumou mal a ser “ok” pra alguém.
Mas também pudera, no mundo de hoje, com plena carência do básico, não ser uma pessoa lixo já é ser uma pessoa incrível.

Mas e ser uma pessoa impossível de esquecer?
A gente esqueceu como é gostoso ser?

Você não precisa ser saudade a ponto de alguém te ligar e pedir para recomeçar.
É possível ser a saudade que visita naquele sorriso de canto de boca ao lembrar.

“O que você tá pensando com essa cara boba?”
“Ahh haha nada, isso me lembrou uma pessoa”


A saudade de um dia.
E dos dias que nem existiram.
E até mesmo a saudade do último dia.
Aquele que amanheceu sem avisar que seria o último.
É possível ser saudade a ponto de alguém não se incomodar em lembrar.
Alguém que a gente até lembra a roupa que usava quando conheceu.

Você é a saudade de alguém se marcou mais do que deixou marcas.
Deixar marca é machucar.
Marcar é deixar um pedaço de você.

Você é a saudade de alguém se consegue dormir sabendo que fez o que podia. É a saudade de alguém se consegue andar pela rua sem receio de reencontrar sem querer, afinal, se você é um motivo para atravessar a rua, deve ser tudo, menos saudade.

Periga você pensar que é a saudade de alguém quando é só dor.
Vontade de deletar.
Voltar a desconhecer.
É um risco se você não reflete sobre o papel que a sua vida teve em outra.

Aquela loja de roupa.
Jeito engraçado de comer.
Som com o nariz.
Mania de atraso.
Pontualidade irritante.

Ser a saudade de alguém é a busca por preencher algum segundo da vida de outra pessoa com uma intenção boa.

A gente precisa ser mais intencional.
Demanda mais energia, mas o retorno é maior.

No começo a gente é saudade de ver de novo.
E quando chega no fim, é comum a gente só lembrar da parte ruim.
Mas o importante é no meio; enquanto a história ainda existe e o que você tem feito para ser a saudade de alguém.

Não feito para alguém.
Mas para alguém lembrar de como foi.

por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com
@umtravesseiroparadois











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