Primeiras horas da manhã e som do celular.
Procura na mesa de cabeceira com os olhos praticamente ainda fechados – isso quando ele não dorme na cama.
Acorda e uma olhada no Instagram.
O que será que de tão interessante foi vivido e postado em plena madrugada?
Você não sabe.
Mas você quer ver.
É uma vontade acelerada.

Nem percebe que atualizar-se sobre a vida de outras pessoas é a primeira coisa que você faz da sua. Todas as manhãs.

Uns memes trazem sorrisos de canto.
Uma scrollada e fotos profundamente tratadas não te tratam bem.
E você fica mal.
Essa não é a sua vida.
Esse estilo de vida não lembra o seu.
É preciso levantar.

Procura o chinelo no chão.
Vai ao banheiro, apoia as mãos na pia e olha para si.
Uma careta.
Essa espinha não estava aqui até ontem.
Esse cabelo também não colabora.
O que vê no espelho não te faz bem.
Ainda ressoa na lembrança a foto de qualquer pessoa vista momentos atrás.
Não dá nem para comparar. Pensa.
Mas precisa? Pensar, sim. Mas comparar?
Não há tempo para questionar.
Virou rotina. Faz parte da sua vida.

A forma com que nos protegemos define a dor dos machucados.
Você sabe que é uma boa pessoa.
Mas a internet te lembra que é preciso ser mais para gostar si.
Não é padrão, é exceção de beleza o verdadeiro nome que se dá àqueles corpos de revista.
Aquela cor de cabelo.
E corte.
E diversas viagens.
Tem sido foda.
As fotos que você tira não ficam iguais daquela pessoa que você segue.
Talvez porque você não seja a mesma pessoa.
Não há tempo para questionar.
As poses que você faz seguem disfarçadas de espontaneidade seguem a linha das fotos mais curtidas.
Seus amigos já ocupam a profissão fotógraf@ a cada vez que se encontram.
Mas o algorítimo não revela o tempo que você levou para fazer aquela pose.
E o like não vem, né? Tampouco daquela pessoa desejada.
Não há tempo para questionar.
Com toda a sua independência para viver, você está tentando representar.
Uma pessoa que não é e que, no fim, talvez nem gostaria de ser.
É que não há tempo para questionar. É preciso ser atual acima de tudo.
Nas fotos a gente não consegue ouvir o som da risada.
Mas parecer rir já é saber viver.

Isso não é um manifesto de moda passada sobre ser contra as redes sociais.
Ficou mais fácil se conectar com as pessoas.
E se desconectar da gente.
Nossa autoestima está em erupção.
Precisamos cuidar da gente. Esperar isso de alguém é prisão.

Primeiras horas da manhã e som do celular.
Procura na mesa de cabeceira com os olhos praticamente ainda fechados.
Acorda e um tempo para pensar nas próximas horas do dia.
Inspirar e respirar.
O que será que de tão interessante é possível viver ao longo do meu dia?
Você pensa.
Tem um amigo que você enrola há dias para marcar alguma coisa.
E vai com essa roupa mesmo.

por Márcio Rodrigues.
umtravesseiroparadois@gmail.com